Revirando textos do passado, encontrei esse daqui que escrevi para meu perfil do Orkut (!) em 10 de novembro de 2009 (!). Nunca poderia ser mais atual, representa MUITO do que estou passando agora! Segue o texto:
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Nem viu que se atormentava pouco a pouco com pensamentos pequenos. Eram tão ínfimos, tão insignificantes e desprezíveis, incondizentes com sua natureza bondosa, pacifista e espiritual, que ele achou que não passavam de ilusões. Afinal, durante toda sua vida ele sempre soube que era o mais puro e bem intencionado ser humano da face da terra. Como poderia se perturbar por pensamentos alheios à sua essência?
Cheio de sonhos inexplicavelmente recheados de extravagâncias e de uma esperança tão grande num futuro melhor para si e para todos os demais em cada canto do mundo, mal imaginava que por mais que sentisse que seu coração pudesse abraçar o mundo, o mundo não estaria tão disposto assim a ser abraçado por suas boas intenções.
Viveu muito tempo consigo mesmo. Recatado, isolado do caos mundano, sonhava. Sonhava com o dia em que poderia transformar a tristeza em alegria, os problemas em diversão, o ódio em amor. Imaginava sem dificuldades como a felicidade espontânea, nascida inteiramente de dentro de cada um por vontade própria, invadiria o mundo. E acreditava tão fielmente em seu mundo de sonhos que passou a achar que detinha a chave da felicidade, bondade e amor.
Na inocência de seus anos primeiros, quando tudo o que detinha era pensamentos abstraídos do exterior, sua experiência, ou melhor, falta dela, lhe dizia que tudo era essencialmente bom. E nisso ele acreditara piamente, criando em si mesmo uma confiança inimaginável no ser humano e na sua capacidade de se estruturar segundo o bem-estar alheio.
Acreditara também que conhecia a fonte da felicidade. Para ele sempre fora tão simples enxergar os desvios de ação que levavam a harmonia para longe. Sempre fora tão automático apontar mentalmente o erro dos demais e de si mesmo que impediam a criação do ambiente-harmônico, aquele que é o mais propício e fértil para crescer a felicidade...
O que dera errado então? Que pensamentos ínfimos se multiplicaram até atingirem uma proporção avassaladora e impacientemente apelativa?
Ele não viu, mas saiu para o mundo antes que lhe avisassem que era perigoso sonhar lá fora. Saiu para o mundo cantando ao vento as alegrias que tinha dentro de si e distribuindo sonhos que, somente muito tempo depois, ele foi perceber que tinham ficado no chão. Ninguém pareceu se importar com sua boa-nova, nem pareceu dar a mínima para as cópias das chaves para a felicidade que ele acreditava estar distribuindo.
No início ele não se importou. Percebeu que a vida fora do seu mundo poderia ser mais árdua e cansativa, além de exigir um tempo incomunal de cada pessoa. Porém ainda via a felicidade dentro de si, acreditava que a boa vontade vencia tudo e que através dela o mundo, se não se tornasse melhor, pelo menos poderia ser encarado com um olhar mais animador.
Não contava porém com um mínimo detalhe, do qual ele tivera consciência todo esse tempo, mas ignorou: ele também era humano. E sua humanidade se rendeu ao cansaço, rotina e infelicidade mundana. Se perdeu de si sem perceber, à medida que pensamentos ignorantes do mundo externo lhe invadia a cabeça após um dia muito pesado de atividades. Estressava-se por pouco, irritava-se com nada, e em breve estava mergulhado no mundo que lutara para exterminar.
Coitado! Vítima de sua fragilidade nata, entrou em conflito moral e comportamental consigo mesmo. Sem perceber, seus pensamentos variavam de um extremo ao outro, fazendo-o ter opiniões completamente opostas em poucos segundos. E esse conflito interno, mal mal sentido no nível da consciência, começou a interferir drasticamente no seu modo de interagir com os demais. Sem opinião fixa, com um pensamento tão volátil como um gás, ele começou a se perceber instável. E voltando às suas raízes, voltou os olhos do mundo externo para seu mundo interior e viu o caos.
Foi então que se deu conta de que algo não ia bem. Procurou uma identidade no meio de tantos pensamentos, experiências, relacionamentos e conhecimentos e se estranhou. A cada novo fato analisado, menos ele se reconhecia e mais desesperado ficava: aonde estava a essência de seu ser? Aonde estavam os sonhos e a esperança inabalável na possibilidade de construção de um mundo de harmonia? Cadê as antigas expressões irremediavelmente sonhadoras que lhe ocorriam, no meio do nada e de momento nenhum? Onde se meteu aquela sua capacidade de se abstrair a qualquer instante e sentir a completude da vida na observação de um momento simplérrimo?
Quem era ele, afinal? O que ele era?
Perdeu-se em si e assim perdeu o mundo. Sem saber quem é, se desequilibrou. E desequilibrado, ficou tão sensível que um simples sopro do vento pode fazê-lo chorar rios de lágrima ou gargalhar de falicidade.
Nesse estado de ânimo peculiar, tem-se sentido cada vez mais isolado de todos, inclusive de si mesmo. Nada pode falar aos demais, ninguém o entenderia (nem ele se entende!). Na maioria das vezes, nem tem vontade de falar: não sabe mais se expressar, não sabe mais o que expressar, justamente por não saber mais quem ele é.
Buscou incansavelmente a liberdade extrema do pensamento e do ser. Acabou encontrando uma prisão aparentemente eterna no caos de seu próprio saber.
Se terá salvação?
Claro! Já agora ele está reacendendo os sonhos otimistas e procurando dentro de si a chave de ouro da felicidade que ele sempre deteve. Esteve sempre certo, deteve o caminho para atingir o maior objetivo de toda a humanidade desde sempre: paz, hamonia e amor.
Para conseguir a paz, terá que organizar o caos que reina no seu mundo interior e descobrir, após arrumar a bagunça, quem ele é realmente.
Uma vez em paz consigo mesmo, estará apto a gerar harmonia com os que vivem ao seu redor. Cultivar a paz costumava ser seu maior dom quando menino, resgatar esse dom faz parte do processo de recuperação de seu ser.
Se obtiver sucesso nas etapas anteriores, o ambiente-harmônico estará pronto para gerar amor e felicidade em abundância. Paraíso na Terra ou ilusão, o que importa é que sua essência continua intacta: sua capacidade de sonhar continua surpreendentemente magnífica, assim como a fé que ele tem na realização de tais sonhos.
Desejo sorte a ele. Capacidade eu não duvido que ele tenha, sempre fora uma pessoa muito determinada. Porém, tenho medo de que ele seja ludibriado pela grande liberdade de pensamento que ele atingiu. Nesse nível de raciocínio, não há certo ou errado, de modo que questionar é essencial. E, sinceramente, vejo-o tão exausto de questionar a si e a seus pensamentos, que ainda tenho minhas dúvidas se foi bom ele conseguir sua tão sonhada liberdade de pensamento ao preço de acabar caindo numa prisão de questionamentos infindáveis sobre tudo.
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