domingo, 12 de maio de 2013

Retrospectiva


Saudade. Uma palavra para descrever os sentimentos de hoje.

Saudade do passado mais remoto, saudade dos tempos de criança e da inocência e segurança que eram leis quando meus avós ainda eram vivos e podiam me abençoar a cada manhã.

Saudade das descobertas sobre as coisas da vida com meus irmãos e primos, meus verdadeiros amigos de infância, guardiões de segredos e cúmplices de brincadeiras perigosas, como assustar pessoas desconhecidas em uma caixa de papelão esquecida numa esquina qualquer.

Saudades dos tempos de roça e do meu "vô Deusdete", que me ensinou como empunhar uma foice pela primeira vez. Saudade dos calos que vieram logo após eu derrubar a primeira praga do mato. Saudade dos beliscões inesperados e de correr atrás de vacas duas vezes maiores que eu, sem perceber que junto de mim corria o tempo, que hoje se escorre em versos de saudade.

Saudades dos biscoitos da vó Laurinda numa manhã fria de inverno na roça. Saudades das festas de aniversário, que por mais simples que fossem, ainda tinham de existir. Saudades dos piquiniques na "pancada de areia" e dos nados no ribeirão. Saudade de explorar as montanhas e as matas e do medo que isso por vezes suscitava.

Saudades dos vários minutos passados sentado no sol ao lado da minha "vó Fonsina" e meu vô Amâncio, em uma boemia que hoje figura entre os momentos de mais rara beleza e felicidade em minha mente.

Saudades do tempo de partida, do desconhecido que era morar em uma cidade grande e do desafio que isso representava. Saudade dos tempos de descoberta juvenil, das primeiras amizades fora do círculo familiar e dos tempos de bosquinho no CEFET. Saudade dos medos da época, a maioria dos quais são risíveis hoje, quando olho para trás. Saudade da esperança quase inquebrável no futuro e da audácia juvenil, que trazia a certeza absoluta de que tudo iria dar certo, independente do que acontecesse.

Saudade do sentimento de vitória e excitação de passar no vestibular e da descoberta da universidade. Saudades dos primeiros períodos, quando a vida parecia fazer tão mais sentido e a sensação de estar perdido era rara. Saudade das amizades mais puras conquistadas nos momentos de sufoco que são o "amadurecer" e se tornar "adulto". Claro, ainda estou passando por isso, mas fica a saudade do tempo em que eu não entendia nada disso e lutava desesperadamente para entender o que era a vida e o que ela queria de mim (ainda não sei, mas hoje pelo menos tenho a noção de que essa é uma pergunta sem resposta fixa, e já não me desespero mais).

Saudades da Itália e a vida de descobertas que ela representou. Saudades infinitas da inocência e a inexperiência com que cheguei lá. Saudades das tentativas por vezes frustradas de me comunicar quando tinha acabado de chegar. Saudade da velhinha que, quando pedi ajuda para encontrar o orelhão mais perto para poder avisar meus pais que eu tinha chegado, achou que eu queria ir na casa dela telefonar. Saudades de Vercelli, aquela cidadezinha pacata e charmosa que me acolheu durante meu primeiro mês em país estrangeiro. Saudades dos meus amigos cujas raízes estão por lá, saudades daqueles loucos com quem morei, daqueles com quem estudei e com quem pude partilhar parte da experiência de troca de culturas. Saudades das viagens cansativas, mas gratificantes. Saudades da primeira neve e a emoção que ela envolveu! Saudade da excursão a Barolo e a noite mágica com direito a muito frio, neve, vinho, amizade, música e cultura italiana. Saudades do dia do pão de queijo e dos churrascos brasileiros no meio do parque. Saudades especiais da Rê (e nossa tarde de chocolate quente) e da Nay (e nossa patinada juntos). Saudades do natal em Genebra, com uma família para lá de especial e que representou minha família ali naquele cantinho europeu. Saudade da virada do ano mais barulhenta da minha vida em Milão e do pouco tempo que dividi com o Matheus por lá. Saudades de Florença e da semana mais italiana que vivi na Itália, acolhido pela família de um amigo italiano muito especial. Saudades da minha amiga grega que me acolheu em sua casa em Atenas para uma das semanas mais incríveis da minha vida. Saudades da sensação do retorno e de ver minha mãe e pai pela primeira vez depois de um ano distante.

Saudades da amiga que tocou meu coração e minha alma, e se foi me deixando um aprendizado que até hoje não sei expressar em palavras (e nem compreender racionalmente). Saudades infinitas de você, Maysão, e seu sorriso e sua gargalhada e sua fúria no trânsito e a caminhada na lagoa e o jazz e tanto mais que não há como dizer.

Saudades... Saudades de um tempo que ainda não veio, mas que virá e passará, gerando mais matéria-prima para uma vida de nostalgia. Saudade da faculdade que, por mais que tenha me matado (e ainda me mata) de estudar e trabalhar, representou (e representa) um marco profundo na minha vida. Saudade dos amigos que se afastarão, saudade dos professores que admiro e que não mais me ensinarão. Saudades das festas que deixarão de ter o mesmo significado que tem hoje, saudades futuras de um tempo em que toda minha concepção de mundo atual parecerá infantil. Saudades antecipadas da vida que levo hoje, que eu sei que vai passar e deixar muita saudade real daqui uns anos.

Saudades infinitas, nostalgia do passado, presente e futuro. Isso é a beleza da vida, afinal: uma sucessão de eventos, sentimentos, ações, atitudes, desejos e emoções que, quando agrupados em uma visão geral, formam um belo e tocante quadro do que é ser humano. E o mais legal é perceber que todo indivíduo produz, em seu tempo de vida, um quadro maravilhoso que, quando interligado com os demais quadros de outros indivíduos, evidenciam o quão extraordinária a vida é. E se sentir parte disso trás uma paz inexplicável, com um gostinho doce e suave de saudade. Ahhh... A vida...